quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Passatempos para um trânsito congestionado



Não há melhor maneira de se começar o dia do que enfrentando um trânsito ultra congestionado!
Seu carro se arrasta leeeeeentamente por dois ou três metros e pára. Então você tem tooodo o tempo do mundo pra jogar uma partidinha de qualquer coisa no celular, limpar sua caixa de entrada e de saída no dito cujo, lixar as unhas, pregar os botões que caíram do seu casaco predileto, ler o Ulisses do James Joyce, de cabo a rabo, umas cinco vezes; ou ainda ficar apreciando os mais variados modelos de carros, caminhões, camionetes, vans, motocicletas, analisando suas características estéticas e técnicas, estilos, cores, acessórios; quiçá olhar pros pedestres, tão livres e soltos lá fora, e reprimir uma invejazinha deles ao imaginar que muito provavelmente eles saíram de ou estão indo para um ônibus mais lotado do que lata de sardinha.

De repente, pára um carro ao seu lado. Pra ser um trio elétrico, só falta o tamanho, porque o repertório e os decibéis das músicas (o termo é uma licença poética) são bastante apropriados. Claro, você desliga o seu som, onde rolava bem baixinho um blues ou jazz, e passa a curtir uma eguinha pocotó ou uma cachorra sei lá o quê ou qualquer coisa acerca de uma boquinha de garrafa. E ainda pensa como é bom poder variar e enriquecer seu repertório.

Por vezes, descobre novos passatempos pra se distrair no engarrafamento (será que a tal boquinha da garrafa tem a ver com isso?), como por exemplo, tentar adivinhar quantas vezes o sinal lááá na frente irá abrir e fechar antes que você consiga chegar lá. Recomendo fechar a janela ao praticar este joguinho, porque os trezentos e quarenta oito vendedores de balinha, água, pano de chão, pano de prato, bonecos infláveis, chiclete, chocolate, bem como os entregadores de folhetos os mais variados certamente irão lhe abordar sem trégua.
A menos que você prefira passar o looongo tempo de espera justamente lendo cuidadosa e atentamente todos e cada um destes folhetos. E ainda irá aprender algo a respeito de sua língua escrita, como por exemplo, a grafia do termo "tela mosquEteira", "entrega À domicílio", "conCerto de inGeSSão eletrOnica" e por aí vai.

Há também o excitante jogo de adivinhação que consiste em tentar prever qual dos carros vislumbrados nos seus retrovisores irá se espremer perigosamente entre os demais a fim de tirar um fino magistral da lataria do seu carro e tomar a sua dianteira, entre roncos furiosos de motor e guinchos agudos dos pneus nas freadas súbitas. Pura adrenalina! Melhor que bangee jump!

Por fim, ainda há a chance de rolar uma paquera, porque 99,99% dos carros à sua volta levam apenas o seu ou a sua motorista, cuja condição solitária, ainda que transitória (com trocadilho), facilita bastante o desenrolar da coisa.
Caso não obtenha sucesso nesta empreitada, pelo menos lhe restará o consolo de ler nos vidros traseiros dos muitos chevetes e corcéis e caravans que uma certa divindade lhe é fiel e que outra, ainda, lhe ama. Pelo menos alguém lhe ama e lhe é fiel, não é mesmo?

Está vendo só como é super divertido pegar congestionamento? Não entendo porque as pessoas reclamam tanto...

Fã de desenhos animados



Desde criança sou fã dos desenhos animados.
Dos comuns da TV -- quem da minha geração não se divertiu horrores com a Tartaruga Touché, Lip the Lion and Hardy Har-Har, Pepe Legal, Bob Pai e Bob Filho, Olho Vivo e Farofino, Mandachuva, Zé Colméia e Catatau, Wally Gator, Speed Racer, Homem de Ferro, O Poderoso Thor, Johnny Quest? --, até os mais que perfeitos desenhos animados do Walt Disney.
Nunca deixei de gostar do gênero, nem mesmo naquela época em que os universitários faziam de tudo pra parecerem muito maduros e politizados, evitando a todo custo qualquer hábito ou preferência que os associasse ao tolo universo infantil.

Este causo sucedeu-se num domingo, em pleno final de semestre, quando a gente se reunia na faculdade pra fazer os zil trabalhos e projetos, frequentemente virando noites e mais noites pra conseguir dar conta do recado.
Pois justamente naquele domingo -- e só naquele domingo, numa única seção -- estaria sendo exibido num cinema da cidade o meu filme predileto de animação do Walt Disney: Fantasia. Ainda não havia os videocassetes, de modo que esta seria uma oportunidade imperdível.

Planejei contar uma mentirinha inócua pros colegas quando chegasse a hora de ir pro cinema, que eu não era besta de dar bandeira de infantilismo no meio daquele bando de gozadores ou de sisudos ativistas do movimento estudantil.

-- Pessoal, desculpa, mas eu tenho que buscar minha tia no aeroporto.

Não só ninguém se deu conta de que isso seria impossível, posto que o meu veículo naquela época era uma bicicleta comum de dez marchas, como vieram as réplicas uma após a outra:

-- Ah, tudo bem. Eu também tenho que ir pra casa, dar banho no cachorro.

-- E eu tenho que ir no pronto-socorro, cof-cof, tô pra morrer aqui!

-- Hoje é aniversário do meu pai, tenho que ir também.

-- Eu vou no casamento do meu primo.

E sem perda de tempo, cada qual com sua desculpa esfarrapada, foram todos embora ligeiros.
E qual não foi minha surpresa quando, ao chegar no cinema, encontrei todos os colegas lá!

:)

O tempo passou, as técnicas evoluíram e eles nem se chamam mais "desenhos animados", são pura e simplesmente "animações". Há muito que já não me importo de declarar abertamente meu gosto por eles, os desenhos, ou por elas, as animações. E ontem fui assistir A Era do Gelo 3 em 3D, com uma amiga.

Chegando lá, foi com um sorriso cúmplice e admirado que percebi na plateia, entre as muitas crianças presentes, vários casais de namorados, gente de meia idade e alguns simpáticos velhotes, todos absolutamente desprovidos do álibi de ter levado o filho, o sobrinho ou os netinhos. Foram lá, sem pudor algum, do mesmo modo que eu e minha amiga, pra assistir a animação por vontade própria.
E as risadas mais altas e divertidas vinham justamente dos marmanjos e marmanjas que se esbaldaram com o filme!

Eu já havia observado o mesmo "fenômeno" ao assistir Ratatouille, A Noiva Fantasma, Schreck, bem como A Era do Gelo 1 e 2, entre outros.
Muito melhor do que prozac, vale por umas 15 seções de análise ou umas 6 cartelas de ansiolíticos.

Pobreza de espírito x livre pensar



Desconheço a interpretação dos estudiosos da Bíblia sobre o termo "pobre de espírito".
Mas eu tenho uma, pessoal, não-particular e perfeitamente transferível.

Pra mim, pobre de espírito é a pessoa que não busca o crescimento espiritual, simples assim.
E ainda sob o meu modesto ponto de vista, o crescimento espiritual se dá quando exercemos o livre pensar.

O livre pensador não se atém a uma só filosofia, religião ou doutrina que seja -- ele escolhe e acolhe aquilo que lhe fala ao espírito, não importa a origem.
O livre pensador não deixa os neurônios ociosos. Está sempre buscando respostas e acaba descobrindo novas perguntas. E nunca se dá por satisfeito -- quanto mais aprende, mais sente acentuada a própria ignorância sobre tudo o que o cerca. Por isso mesmo, julga menos do que observa e aprende mais do que ensina.
O livre pensador amplia seus horizontes, porque toma a devida distância dos fatos e, assim, enxerga mais longe. E, enxergando mais longe, insere o fato analisado num contexto mais amplo, obtendo mais e melhores parâmetros que lhe sugiram significados.
O livre pensador aceita as diferenças -- portanto, não aceita e nem impõe padrões inflexíveis; em outras palavras, o livre pensador não se julga dono da verdade, da virtude e da razão, porque sabe que estas não têm dono, são relativas e transitórias.
Por fim, o livre pensador sabe que o seu maior bem, seu maior patrimônio, não está contido na matéria, mas no espírito.

Abre parêntese. Entendo por espírito a nossa capacidade de sentir, discernir, compreender e apreender o que a razão ou os sentidos recolhem. Fecha parêntese.

Então, voltando ao início, penso que "pobreza de espírito" é o ódio pelo diferente, a inveja pelo afortunado, a indiferença pelo sofrimento alheio, a deslealdade, a injustiça, a desonestidade, a mentira, o rancor, a perversidade, a crueldade, o instinto destrutivo, a maledicência, a calúnia, a vingança, a mesquinharia, entre tantas outras qualidades negativas como estas.

Se o pobre de espírito soubesse que, mantendo-se nessa miséria existencial, sofre muito mais do que o seu suposto "inimigo" -- e, ao contrário, o livre pensador, ainda que se angustie no caminho do crescimento e sofra algumas dores inevitáveis, ao alcançar cada uma das muitas metas a que se propõe experimenta o incomparável e insubstituível êxtase prazeroso da descoberta --, então veria que está perdendo um tempo precioso e desperdiçando uma energia fundamental.

Lanço aqui a campanha -- libertemos o pensamento e enriqueçamos o espírito.

É tempo de jogar fora o lixo inútil.
E, então, vivamos e deixemos viver...

Trocando alho por bugalho



Tem gente que vive trocando as palavras, por pura distração. E muitas vezes nem se dá conta. Embora possa resultar em tragédia em alguns casos, em outros se torna pura comédia.

Era o caso da minha tia Dinda.

-- Moço, me vê um pote de Catupiru?

-- Quando for descer a escada, segura no rodapé.

-- Gama, hoje à noite eu vou na sua cama.

Não, seus maliciosos, a tia Dinda não era uma Mara Tara. Ela queria dizer "casa", mesmo.

Mas a campeã em trocar alho por bugalho foi a mãe de uma colega. Ao perceber um leve estrabismo na filha, levou a menina ao oftalmologista. E, conversadeira que só, ficou batendo papo animadamente com as pessoas que lotavam a sala de espera.
Até que alguém perguntou qual era o problema ocular da garota.
Ela, então, fez um gesto com os dois dedos indicadores voltados pra dentro, na altura dos olhos, e arrematou com a sentença:

-- Ela é lésbica.

Livros que li na infância:




Meu, pede laranja lima! - saga de um retirante paulistano da Mooca que, fugindo da vida adversa em Sampa, imigra pro sertão do Caicó em busca de melhor sorte.

Pole, Ana! - um relato emocionante da vida e obra da polidora de caras-de-pau, Ana, funcionária do senado.

Vi das secas - impressionante descrição de como o explorador destemido vislumbrou as raras e até então desconhecidas mãos de políticos que não foram molhadas. Ainda.

Sem hora - uma história muito triste, em que um vendedor de relógios descobre que roubaram todos os ponteiros.

Ir à Cema - descrição pormenorizada das aventuras e desventuras do herói, no percurso feito desde Baexo até Cema.

Amor e Ninha - romance épico que revela os caminhos e descaminhos de Ninha, moça inocente que buscava encontrar o amor, mas não o encontrava nunca.

Ô, corte isso! - romance realista, que faz um corte nu e cru na carne do próprio leitor ao relatar como eram feitas as cirurgias nos tempos de antanho.

Ô, ate n'eu! - pungente história sobre um terrorista suicida, que sempre que via alguém carregando algumas bananas de dinamite, logo implorava pra que atassem todas a ele.

Os Certões - eles não erravam uma, nunca!

Micos



Primeiro causo


O almoço ia animado e concorrido. Todos os amigos do casal recém-casado estavam presentes, lotando o apErtamento, e conversavam animadamente sobre zil assuntos ao mesmo tempo, como de costume. Lá pelas tantas, chegaram umas cinco ou seis pessoas que me eram levemente familiares -- o que me levou a deduzir que seriam daqui da cidade, já que ninguém fez as devidas apresentações -- e que ficaram sentadinhas, todas juntas, num cantinho da sala, conversando baixinho.
Foi então que alguém fez a pergunta fatídica:

-- Vocês foram assistir ao Maria, Maria?

Sim, eu fui.
Na primeira temporada, quando o Grupo Corpo passou por aqui, em turnê nacional, fui lá conferir e me encantei com tudo! Coreografia -- sempre me impressionou a capacidade dos bailarinos de fazerem com toda leveza, suavidade e elegância, os esforços físicos mais alucinados, possíveis e impossíveis --, bem como figurino, cenário, iluminação e, claro, a impecável música do Milton Nascimento e performance dos artistas.
Depois disso, o Grupo apresentou mais alguns espetáculos -- todos maravilhosos -- e, em seguida, partiu pra turnê internacional e levou o Maria, Maria pro mundo todo ver e aplaudir. Sucesso absoluto!
Na volta, uns 3 a 5 anos depois da primeira temporada, resolveram refazer uma turnê nacional com este mesmo espetáculo e novamente passaram por Brasília.
Isso aconteceu justamente por ocasião do almoço lá no apErtamento do casal amigo. E a linguaruda aqui resolveu responder à pergunta feita:

-- Eu fui, mas não gostei desta vez... Na primeira temporada, eu achei maravilhoso, tão original e emocionante, tão forte e ao mesmo tempo suave, bonito, e eles dançavam com evidente prazer e volúpia... Mas desta vez eu achei que eles já estavam enjoados desse trabalho, depois de tantos anos apresentando o dito cujo pelo mundo afora. Achei que eles dançaram burocraticamente, sem tesão, como quem vai cumprir expediente só pra bater o ponto.

Nem bem acabei de dizer isso, uma colega ao meu lado enfiou com decisão seu indignado cotovelo nas minhas desprotegidas costelinhas e sussurrou no meu ouvido:

-- Você sabe quem são aquelas pessoas ali no cantinho, que chegaram ainda há pouco?

-- Sei não... quem são eles?

-- Bailarinos do Grupo Corpo.


Fecha o pano. Rápido!


*


Segundo causo.


Também um almoço, desta feita numa linda casa em Búzios.
Minha amiga B., que andava pela cidade a passeio, estava presente neste almoço, levada por um colega. Não conhecia nenhuma outra pessoa, mas, longamente treinada pela vida de filha de diplomata, ficava perfeitamente à vontade entre estranhos. No entanto, neste dia em particular, talvez acometida por uma TPM galopante, ela não se sentia nada diplomática e, pra piorar, estava um tanto entediada com a conversa fiada dos ilustres desconhecidos e com a música de fundo.
Lá pelas tantas, alguém falou:

-- Vou botar um disco da N.C.. Alguma objeção?

-- Sim. -- disse a minha amiga, um tanto ácida -- Eu faço objeção. Não suporto essa cantora! A voz dela e o jeito de cantar são intragáveis! -- arrematou dando uma profunda tragada no cigarro.

O colega dela, que estava ao lado, então, perguntou bem baixinho:

-- Você sabe de quem é esta casa onde nós estamos?

-- Sei, de uma amiga sua.

-- Na verdade, esta casa é da mãe da minha amiga... E a mãe dela é a N.C..


Fecha esse pano logo, antes que alguém pague outro mico horrendo desses!

Ciúme



O ciúme nasce no pensamento.

A pessoa primeiro tem que pensar -- pô, tô sendo traída(o)!

Não. Não é assim tão simples. A raiz e causa primária desta triste constatação, que também vem do pensamento, é a estranha distorção que os fatos reais sofrem lá pelos intricados caminhos neuronais no cérebro da(o) ciumenta(o).

Pra ilustrar esta idéia, vou contar mais um causo.


Há uma expressão muito boa, que traduz com perfeição aquela situação em que a pessoa enxerga coisas que, na realidade, não estão ali -- "ver chifres na cabeça de cavalo".

Assim é com o ciúme mega-ultra-super-hiper-exacerbado.
Só que, no caso, muito tristemente, não se vê os chifres exatamente na cabeça do aliviado equino.

Para este tipo de ciumenta(o), toda e qualquer pessoa do sexo oposto que se aproxime do seu ser amado, ou que simplesmente se encontre dentro do seu campo de visão, torna-se imediatamente uma ameaça. Não potencial, mas real. Na sua fértil imaginação, naturalmente.

E este era o caso de Margarida.

Tava lá o Pitchuquinho saindo da facul de mãos dadas com a Margarida, quando chega uma colega deste, a Cássia Carolina Duncan Ro Ro, e começa a conversar:

-- E aê, rapá? Bora bater uma bolinha no sábado e depois vamo jogar uma sinuquinha de leve, hein? Tomar umas breja com linguicinha, hein? Linhais, cê tem umas chuteiras pra me emprestar, véi? As minhas eu emprestei pro Sandrão, aquela minha amiga que trabalha na estiva, tá ligado?... Pensando bem -- ela diz enquanto olha pros pés do rapaz -- acho que não vai dar... seus pés são muito pequenininhos!

Mas o que a Margarida ouvia era o seguinte:

-- Ai, meu gostosão irresistível, meu garanhão atlético, meu atleta de colchão, meu docinho de coco ralado... * suspiro * ... que tal um motelzinho no sábado depois do seu futebol e da sua sinuquinha, hein, meu gatinho manhoso?

Depois quem pagava o pato era o pobre do Pitchuquinho, que tinha que ouvir uma enxurrada de "gentis" palavras, sem ter feito nadinha que justificasse o fato.
E era sempre assim, fosse a velha tia de Botucatu tamanho GGGplus que veio pra visitar, fosse a priminha magérrima, de pernas tortas, dentucinha, com um ligeiro problema de acne e um discreto estrabismo, fosse a faxineira do supermercado, a médica do posto de saúde, a avó do melhor amigo, a própria irmã, a sobrinha de sete anos de idade, não tinha conversa. Margarida logo enxergava trocas de olhares e de e-mails, telefones, orkuts e facebooks; via línguas sendo passadas lenta e sensualmente pelos lábios, olhares de peixe morto, poses lascivas e sensuais, tudo dirigido inequivocamente ao seu Pitchuquinho... e mandava ver na bronca -- espinafrava tanto o coitadinho, quanto a involuntária e inocente "rival", que ficava com cara de será-que-ela-tá-me-confundindo-com-outra-pessoa?


Um dia o Pitchuquinho se cansou dessa história. Não é que tivesse deixado de amar a moça, mas simplesmente não conseguia mais se acostumar à coleira. Nem à bola de ferro presa aos pés. Nem às correntes e cadeados. Nem à burka. E muito menos às alucinações da Margarida, que decididamente estava a cada dia viajando mais e mais na maionese.
Então deixou a moça e se casou com a Literatura.
Dizem que hoje em dia o casal está muito bem, obrigada, e que já teve muitos filhinhos -- Conto, Crônica, Romance e Poesia. E ainda há um Ensaio na barriga.

E a Margarida?
Deve estar com o Tchutchucão, agora, e como de hábito, provavelmente ainda estará a enxergar enormes guampas na cabeça de uma certa imaginativa e ciumenta potrinha...

Na repartição



-- Dona Clotilde, cadê o relatório?!

-- Só se for agora, chefia! Num minutinho!

O "chefia" sai batendo a porta, esbaforido, chiando e soltando mais fumaça do que trem antigo. E a Dona Clotilde imediatamente volta à postura e expressão relaxadas de costume. Pachorrentamente, tira uma lixa de unhas da bolsa e começa a manicurar seus impecáveis apêndices digitais de quase 5 centímetros, os quais lhe servem de álibi perfeito pra justificar o ritmo de lesma paralítica com febre reumática com que digita seus raros e parcos relatórios. Abre parêntese. Quando se trata de mandar e responder e-mails pessoais, daqueles cheios de pps e de correntes e de alertas e dicas de saúde e receitas pra celíacos e fotos de crianças desaparecidas e aquelas piadas que, de tão batidas, praticamente já circulam pela rede por moto próprio, o ritmo e a quantidade sofrem um ligeiro incremento. Fecha parêntese.

A colega da mesa ao lado, com jeito conspiratório, pergunta baixinho:

-- Ô, Clotilde, você não vai fazer o relatório agora? Olha que o Chefia tá soltando lava incandescente pelos poros...

-- Ah, não esquenta, não!... Esse cara vai ter um piripaque qualquer hora, se não aprender a relaxar... Não sei pra que tanto estresse! No fim, vai tudo pro arquivo, mesmo.

Depois do trato às unhas, do quarto cafezinho com biscoito, do sexto copo de suco de maracujá, de oito saidinhas pra fofocar com as colegas lá do outro departamento e de tirar xerox de uma receita de bolo que saiu na revista que a moça da copa emprestou, finalmente Dona Clotilde se acomoda devidamente em sua cadeira, ressuscita o PC que tava tirando um cochilo, ajeita o teclado, o mouse pad, e assume a atitude alerta e concentrada de quem vai principiar uma tarefa importante.

-- Eita, Clotilde, resolveu finalmente desencavar o relatório, é? -- pergunta a conspiradora da mesa ao lado.

-- Que relatório?... Ah, aquele... Nada, menina! -- inclina-se mais pra perto da colega e cochicha -- Sabe a Dulcinéia, aquela que senta na mesa do cantinho lááá atrás? Eu pedi pra ela fazer e ela topou! Aliás, você já reparou como aquela criatura tra-ba-lha o dia inteirinho, sem parar? Eu fico até cansada só de olhar!... Credo, no mínimo, deve ser mal amada, coitadinha.

Com um suspiro profundo e cara compungida, volta a se concentrar na tela do PC. Faltava só um bocadinho pra terminar a partida de spider. E distraidamente ficou a pensar se, em seguida, jogaria solitaire ou freecell. Depois sorriu com o gozo antecipado da idéia da greve geral marcada pra semana seguinte -- pauta da reivindicação: aumento dos salários e benefícios --, uma oportunidade excelente pra ir passar uns dias em Caldas Novas ou Piri.

-- É isso que esgota uma pessoa, viu?... O tempo todo a gente tem que escolher e tomar decisões, sem ajuda de ninguém... Ufa, tô e-xaus-ta!... Já deu seis horas, meu bem?

Causo quase porno-erótico da arquiteta



-- Dotora, os home da betonera chegô, mas eles não truxe o vibradô.

Ao enunciar esta frase, o mestre de obras deixou entrever um brilho de prazer irônico no olhar e virou o rosto, olhando pro horizonte de valas abertas e estacas e fios e a parafernália de praxe.

-- E você não tem um vibrador lá no seu quarto de ferramentas?

Não foi fácil manter a postura e a compostura de quem não pretende passar recibo por aquele olharzinho sacana. Mas a voz saiu quase, quase natural, talvez apenas um pouco mais lenta e grave...

-- Tenho não, dotora... mais num será o causo de a sinhora ter um aí na sua bolsa, não?

Aposto que foi isso que ele pensou, o safado. Só se eu fosse a Mara Tara, pra ter um vibrador de concreto na minha bolsa. Além do mais, ele teria que ser retrátil, como os... de verdade. Ou então eu teria que carregar num tubo daqueles de guardar projeto. Ai, que viagem! Olha eu embarcando na minha própria alucinação! Pra quê que eu iria querer um negócio desses? Pra vibrar concreto. Mas eu não ponho a mão na massa. Nem o vibrador.

-- Vá perguntar na obra ali na esquina se eles podem emprestar um.

Boa!... Assim eu mato vários coelhos com uma caixa d'água só. Me mantenho na posição de autoridade máxima comandante em chefe desta joça de obra, mando ele sair da minha presença por alguns instantes e ainda resolvo o problema da falta de vibrador. De concreto.

Nos minutos que ele leva pra ir até lá e conversar fiado com o outro mestre de obras e só então voltar, recomponho minha dignidade à beira de um ataque de risos. Sabe como é, tem que manter o respeito, senão, ba-bau! Mas não tá fácil. Alguém, por favor, conta uma piada aí, depressa!

-- Eles emprestou.

Quantos homens simples e rudes estão presentes em torno das valas dos baldrames, prontas pra receber o recheio? Uns doze a quinze, eu diria, contando com o motorista da betoneira. Quantas mulheres? Uma, eu. Qual é minha função nesta obra? Acompanhar, supervisionar e ser responsável técnica. Tá, então, o quê que eu faço agora? Abotoa uma cara de tô nem aí, assista às primeiras vibradas e dê-se por satisfeita. Profissional e tecnicamente falando.

O concreto vai sendo derramado, meio viscoso, meio áspero, bruto. E o mestre de obras começa a função. Levanta aquele vibrador que poderia ser o brinquedinho de uma elefanta solitária e fogosa, num gesto muito másculo de caubói extemporâneo, liga a coisa no ar e só então vai baixando, lentamente, até a vala, agora cheia daquela massa pedregosa (daí a necessidade de se vibrar), e afunda a trapizonga com uma espécie de volúpia mal contida...
Seus olhos estão baixos, voltados pro serviço. Mas a expressão do rosto é de puro divertimento cínico. Ou de cinismo divertido, não sei bem.
Meus olhos estão baixos (minha visão periférica é muito boa), voltados pra vala. Minha expressão, provavelmente, é de alguém que está tentando disfarçar o fato de que tem uma abelha viva dentro da boca. A hilaridade da cena é coisa de filme! Comédia pura!
Ele capricha nas entradas e saídas, nos requebros de pulso, nos staccatti e nos vibratti; caminha com lascívia quando se dá por satisfeito num trecho e recomeça em outro, sem perder o timing nem a marotice nos gestos. E o tempo todo faz caras e bocas que poderiam ter sido do Chaplin. Ou do Mister Bean.

-- Bem... muito bom, excelente trabalho. Continue fazendo assim.

-- Não pára! Não pára! Não páááraaa...

Aposto que ele pensou isso, o cafajeste.
Vou caminhando em marcha tranquila até o meu carro, que está lááá longe. E ainda bem que está, porque, assim que entro e fecho a porta, posso soltar toda a gargalhada que tinha ficado entalada até então, daquelas de sair lágrima dos olhos e a gente ficar sem força...
Quando finalmente consigo arrancar com o carro, vou pensando.
Algumas profissões têm batismo de fogo, outras de água, quiçá haja as de terra ou de ar. Mas a profissão de arquiteta tocadora de obra tem batismo de vibrador. De concreto.
E a primeira vez a gente nunca esquece...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Eu enquanto pessoa a nível de ser humano - um conto do vigário



A madrugada já ia alta, e a desalentada mestra, apesar de andar sonhando acordada que finalmente era hora de ir dormir, continuava sentada em frente à tela do computador. Faltavam ainda umas quinze monografias pra revisar.

"Eu enquanto pesoa a nivel de cerumano coloco que o diferensial da proposta agrega valor ao imajinario no subiconçiente coletivo da comunidade carente no contesto da orbi urbana da posmudernidade".


A esta altura, o desespero e a indignação já deram lugar a um torpor quase indiferente. Procura e encontra na sua caixa de entrada a resposta da aluna à sua mensagem enviada há uma semana:

"feçora si nen vc intendeu km eh q eu vo entede"

Boa pergunta. Ainda que sem ponto de interrogação.
De fato, nestes tempos de ctrl+c, ninguém mais sabe dizer o que quis dizer. Por isso ninguém mais SE forma... apenas forma... o quê, sabe Deus!

Há quem defenda que a língua vernácula é que deveria ser a nossa língua pátria oficial, em contraposição ao chamado "preconceito linguístico" dos que falam erudito. Por mim, tudo bem. Seria muito interessante ler uma tese sobre neurocirurgia escrita em vernaculês.

"U célebru é um trem múintchu importânti nus pissuá tudu. É eli qui guverna u rins, u istambu, u figu i as tripa tudu. U célebru tem uma carrada di neurônu quié u qui fais u cabôcu assuntá. É eli qui fais ocê sabê dôndi quié as isquerda i as diretcha, é eli qui fais ocê andá di bicicreta sem distrambeiá i distabocá nu xãu. Pa operá u célebru, ocê tem di pegá u cabôcu, dá umas nestezia preli drumi i num sinti dô. Adispois queli drumi, é ondi qui ocê pega i abri u quengu du cabôcu i iscarafunxa lá dentu pa vê ni dondi qui tá u tumô. Adispois di tirá u tumô fora, ocê ispera u cabocu cordá pa vê se deu certu, pruque eli podi cordá i ficá todu trapaiadu o bobu. Si eli num cordá, é pruque eli impacotô."

Pensando bem, acho isso preferível a:

"Em que pese a transubstanciação do aspecto unívoco na preponderante haplotomia heideggeriana intrinsecamente revinculada à resipiscência dicotômica do substrato filogênico, associada inapelavelmente à comburida virtualidade keiserlinguiana no seu modo mais semiótico e etereamente regougante..."

Eu deveria ter feito aquele concurso pra câmara... Hoje estaria ganhando muito bem, obrigada. Não há muita diferença entre aturar alunos desinteressados e semianalfas, colegas ególatras e pretensiosos, e aturar deputados e senadores corruptos, a não ser pelo salário.

O dia começa a clarear. Com os olhos vermelhos, ela se arrasta até a cozinha. Enquanto passa o café, fica imaginando um mundo melhor depois das reformas que se impõem com urgência. A faxineira chega.

-- Selycleide, quero falar uma coisa muito importante com você.

-- Ai, Dona Dotora, foi sem aquerê!... Tava c'as mão insabuada e as 12 chicrinha c'os pratim, mais o búli e a leiterinha, caiu e crebô...

-- Não, Selycleide, é outra coisa... É muito, muito importante que você não vote de novo no mesmo candidato em quem votou da última vez.

-- Cuma?

-- Se nenhum desses deputados e senadores safados for reeleito, há uma grande chance de se renovar a política no Brasil!

-- Tá bão... é justo... -- ela responde, apesar de não ter entendido muito bem -- Só tem um pobrema, Dotora Dona, eu não si alembro ni quem qui eu votei. Só mi alembro que tinha uma popraganda bunita na televisão. E que o patrão do Maicon Wesleyson, meu home, mandou ele mais os colega tudo votá num bacana lá, qui ele nem si alembra quem que é, e que se o bacana ganhava, eles ia levá de presente um radim aipódi... o bacana ganhô e o aipódi qui é bão, nem chêru!

Não tem jeito. É filme de terror. Se correr, o bicho pega, se ficar o bicho come. Sem nem ao menos fazer um carinho, dar um beijinho, telefonar no dia seguinte. Come a seco mesmo, na brutalidade.
É isso que os sucessivos desgovernos deste país fazem com a gente -- um estupro selvagem.
O povo mesmo é trabalhador, é um bravo e nunca desiste!

-- Dona Dotora, a sinhora me adiscurpa, mais é que eu mais o Maicon tá disistino de trabaiá...

-- Mas por que, Selycleide Abadia?!?

-- É que ocê paga p'a eu um salaro mimo, o patrão do Maicon tumém... e se eu mais o Maicon pára de trabaiá, nóis ganha siguro disimprego, bolsa famia, vale gás, tique transporte, tique alumentação, lote no Recanto das Ema e ainda defende algum pur fora indo batê palma nos comiço dos candidato.

Mundo cruel e injusto, este... Agora, além de ter que continuar a lidar com a manada de praxe de alunos semianalfas, indisciplinados e desinteressados, vou ter que limpar, passar, cozinhar...
Eu devia ter me casado com o Serjão... Ele passou pro Banco Central logo depois de entrar pra UnB e hoje mora no Lago Sul. Teria uma vida de princesa, só batendo perna no Parkshopping e comprando livros e CDs na Fnac.

Mas a vida real não espera e conclama. Hora de ir pro batente mais uma vez. Quer dizer, hora de pegar no batente em outro lugar, porque o batente de casa não dá mais tempo. Pega um ônibus lotado até a faculdade particular em Valparaiso. De lá, volta pro Plano Piloto e dá aula numa faculdade particular na Asa Sul e, mais tarde, em outra no Lago Norte. E no caminho sonha mais uma vez com aquela bolsa de estudos nos Estados Unidos.
Mesmo sabendo que é um sonho impossível, porque com aquela cara e sobrenome de árabe...


Maria Iaci
Publicado no Recanto das Letras em 21/08/2009

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O pipoqueiro do Caseb



Entre as várias lendas e folclores que Brasília já tem, apesar de ainda nem ter completado 50 anos, tem uma que eu me sinto confortável em falar, porque fui testemunha ocular e auricular do fato. É a história do pipoqueiro que vendia maconha na porta do Caseb (alguns diziam da Caseb).

Sinto desapontar os afeitos às lendas, mas é fato, aconteceu de verdade. Eu estudava lá.

Um fim de tarde daqueles bem típicos em pleno período de seca, em que você se sente como se estivesse numa espécie de limbo, tava a molecada saindo da escola que nem morto-vivo, só querendo chegar logo em casa, quando rolou o bochicho -- sirenes, freadas, luzes piscantes e faiscantes, homens de farda, comandos altos e sonoros em ação... e lá se vai nosso pipoqueiro, preso em grande estilo!
Alegação: vendia maconha pras criancinhas inocentes.

Meu queixo caiu!
O meu e de mais uns 300 moleques, porque a gente nem desconfiava que o cara vendia algo além de pipoca.
Cabreira e descolada, fui perguntar prum chapa que eu sabia ser amigo de um baseadinho, se a denúncia procedia.
Procedia. Mas era na maior discrição... tanto é que nem eu, nem ninguém que não fosse do ramo (sem trocadilho), sabíamos disso.
E que eu saiba, ele jamais me vendeu -- ou pra qualquer conhecido meu -- pipoca de maconha, ou pipoca com maconha, ou baseado triturado em vez de sal na pipoca, ou maconha derretida no lugar da manteiga. Pelo menos as pipocas que comi tinham cheiro e sabor de pipoca. Com manteiga e sal. Substâncias perfeitamente legais, encontráveis em qualquer cozinha doméstica e domesticada. Porque naquele tempo não existia colesterol nem pressão alta.
Aliás, ele tampouco nos ofereceu as famosas -- e jamais vistas -- balinhas de maconha, com o fito torpe e pérfido de viciar os infantes incautos.
Eu tenho mesmo essa cara de viajandum, é de nascença. Não foi efeito da pipoca nem da balinha jamais vista ou chupada.

Não me lembro se este pipoqueiro voltou ou não. É pouco provável, tempos muito duros. Mas me lembro com certeza de que os outros fornecedores de coisas que não eram pipoca, que, naturalmente, nada -- frisa-se: nada -- tiveram a ver com a prisão do pobre do concorrente, sendo um deles fardado, embora do baixo clero, e o outro filho de Alguém, do Alto Clero, continuaram tocando os seus negócios com muita calma e tranquilidade...
Aí já não era mais segredo pra ninguém, embora não houvesse um que tivesse coragem de dizer isso mais alto do que um sussurro.
Perigava amanhecer sendo despejado do opalão branco no cerrado lá pras bandas da Barragem do Descoberto, pra lá da Ceilândia, e descobrir que tinha morrido. Tempos muito duros.

O tempo passou, o Caseb mudou, a gente cresceu... e uma noite no Beirute ouvi um grupo animado numa mesa próxima -- quiçá estivesse lá você, Wilson? -- discutindo acaloradamente se esse causo era lenda ou era verdade.
Não passou muito tempo, li sobre isso num artigo de um importante jornal do sudeste maravilha, dentre uma lista de outros mitos fatológicos de Brasília. Depois ouvi e li referências a este episódio em zil lugares diferentes. E ontem li num site estrangeiro! Provavelmente um recuerdo de algum filho de diplomata ou algo do gênero, que morou por aqui naquela época. Engraçado como essa historinha rendeu e caiu no gosto dos jornalistas, quando eles precisam tapar algum buraco na publicação (como se faltasse assunto)!

Em tempo, não assino embaixo desta crônica e não me comprometo, porque os eflúvios da marofa do tema podem ter afetado meu senso de percepção da realidade. E a minha noção de perigo.

Esta crônica se autodestruirá em 5 segundos.
Sem contagem regressiva.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mais causo da Antônia



Antônia, um dia, veio me perguntar o que era esse tal de "el ninho".

Eu já havia apresentado a ela o globo terrestre -- eu tinha um pequeno e barato, mas que serviu perfeitamente aos seus e aos meus propósitos --, de modo que só precisei fazer um rápido recuerdo.

Mostrei a ela o Rio Amazonas, que ela conhecia da TV e, portanto, sabia que era um rio enooorme e largo como ela jamais vira na vida. Depois mostrei de novo o Oceano Pacífico e tracei sobre ele, com meu dedo, o caminho do "rio dentro do mar", que, numa certa época do ano, fica quente lá do outro lado do mundo e traz esse calor pra cá, assim. E que esse calor provoca mais chuva ali, mais seca acolá, conforme se vê na televisão.


Vi nos olhos dela que ela havia compreendido perfeitamente. Bem como o sorrizinho satisfeito que ficava estampado na cara alegre, toda vez que Antônia aprendia alguma coisa diferente.
Mas, de repente, seu rosto ficou sombrio.


-- Quê que foi, Antônia?

-- ... é que ocê ensina p'a eu um tanto de coisa... mas eu num dô conta de ensiná ocê...

-- Ensinar o que? -- logo ela que já tinha me ensinado muito sobre plantas e ervas daninhas e bichos e pragas e várias outras coisas fundamentais pra quem pretende "criar" uns canteiros, mas não sabe nada do assunto!

-- Cumé que eu sei quando vai inverrrná.

E, de fato, eu perguntei zilhões de vezes a ela, mas ela nunca me esclareceu como era possível, num dia cheio de sol e céu azul e calor, esta criatura olhar pra cima, pros morros, pras matas e, mais parecida com uma índia-pajé do que nunca, declinar com aquele sotaque cheio de erres muito líquidos e entonações arrastadas:

-- Vai inverrrná...

E dali a algumas horas se instaurava o inverno mais gelado no meio do verão!

Os olhos do Pablo


Estava conversando com uma jovem amiga, que está se iniciando no mundo da fotografia -- digital, naturalmente --, e me encantei com o entusiasmo e empenho com que ela está fazendo isso.

Foi inevitável me lembrar, com um largo e bobo sorriso dançando no rosto, da época em que uma das minhas casas -- além da materna e da universidade --, era a oficina-casa do meu amigo Paulo.
Lá aprendi muitas coisas: sobre cores, luzes, químicas, registros, imagens e até mesmo sons, ainda que coadjuvantes e de fundo.

Entre os muitos nichos sagrados desta saudosa oficina-casa, havia o laboratório de fotografia, onde se preparava as telas de serigrafia e, claro, se revelava e copiava fotografias, como se fazia muuuuito antigamente.
Eu acompanhava, com a circunspecção e reverência de uma noviça, todo o ritual preciso que havia em cada uma destas artes, sobretudo na fotografia.
E jamais, nunca, nem se eu perder o cérebro, vou me esquecer do dia em que, ao copiar as primeiras fotos do filho do meu amigo, a primeira coisa que surgiu no papel, sob a indefectível luz vermelha e nossos olhares encantados e molhados, foram os grandes e meigos olhos do Pablo, meu afilhado.

Que já ultrapassou pai e madrinha em altura e já é um rato de oficina feito o pai, há muitos anos, mas que não perde nunca aqueles olhos doces e meigos... quem vê, nem imagina o tanto que é turrão, igual ao pai, hehehe... talvez até por isso eu goste tanto daqueles dois!

Então pensei, que pena que a foto digital eliminou esses nichos sacrossantos e essas mágicas alquimias... em compensação, naquele tempo bem que todos nós suspirávamos por alguma folga genial como essa mamata digital toda, que só existia na ficção científica. E em Hollywood, claro.
E hoje agradecemos e brincamos bastante, com aquele mesmo sorriso bobo lá do começo.

Maria Iaci
Publicado no Recanto das Letras em 18/08/2009
Código do texto: T1760827

sábado, 15 de agosto de 2009

O que vc está fazendo em Brasília???


Um dia destes, conversando num chat, alguém me perguntou:

Alguém fala para Eu: mas o q é q uma moça bacana como vc tá fazendo em Brasília?!???

Eu fala para Alguém: ué, aqui em Brasília não tem só políticos e aquela indefectível coleção de vampiros que orbita em torno deles, não... aqui também tem gente, seres humanos de verdade que trabalham e vivem honestamente, como eu e vc... e nem somos nós que votamos nessas pragas que o resto do Brasil manda pra cá.

Alguém fala para Eu: mas vc é funcionária pública...

Eu fala para Alguém: mesmo que eu fosse, é um trabalho honesto como qualquer outro, quando vc faz concurso e passa... mas não sou func publ, não... sou especialista em dar murro em ponta de faca, nó em pingo d'água e em andar na corda bamba.

Alguém fala para Eu: ah, vc trabalha em circo?

Eu fala para Alguém: hehehe... sim, eu, vc, todo mundo trabalha e vive num grande circo... o problema é que às vezes os palhaços nos fazem mais chorar do que rir... e ainda assim, a gente vai levando... só não sei exatamente o quê, nem onde.

É proibido usar bermudas!



Um senhor distinto, bem apessoado, ia entrando no prédio da prefeitura da cidade de veraneio envergando sua melhor bermuda, quando foi barrado pela gentil funcionária:

-- Senhor, é proibido entrar no prédio vestindo bermuda.

Ao que ele prontamente respondeu, enquanto levava as mãos à braguilha:

-- Não seja por isso, eu tiro!

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Causos da Antônia



CAUSOS DA ANTÔNIA

Antônia vinha subindo a ladeira de terra, cheia de buracos e de pedras soltas.
Lá do alto, vinha descendo um homem.

Quando já estavam bem próximos, ele meio que escorregou e
tropeçou e quase caiu.
Neste cai-não-cai o homem respirou fundo e
abriu a boca para falar alguma coisa, mas então olhou para Antônia e viu que ela assistia a tudo.
Daí, engoliu em seco, aprumou-se, ajeitou
a roupa e falou:

– Eu ia dizer xuranha, mas não vou falar!


E foi-se embora cheio de dignidade...

* * *

Quando vim morar em Pirenópolis, contratei uma faxineira que mora mesmo na minha rua. E logo de início percebi que teríamos algumas dificuldades na comunicação, pois ela é uma pessoa nascida e criada na roça e, além de tudo, é analfabeta. Seu linguajar é bastante peculiar – freqüentemente torna-se incompreensível para mim e é lógico que ela deixa de entender boa parte do que eu falo –; no entanto, nós duas nos divertimos com estas diferenças.

Por exemplo, um dia ela me perguntou:


– É pra lavar as vasia?


– Lavar o que, Antônia?

– As va-si-a – ela falou num tom que usaria para explicar a uma criança.


E vendo que eu continuava sem entender, apontou para a pia cheia de
louças sujas. Ah, eu pensei, as vasilhas!...
Então, com a cara mais cínica, respondi:


– É sim. Mas só as vasia que tiver vazia. As vasia cheia ocê num lava, não.


Ela riu. Ainda bem...

* * *

Ainda a boa e velha Antônia.

Num belo dia, ela olha para minha cama, suspira e diz com
uma voz sonhadora:

– Essa colcha deve de ser boa pra rebuçar...


– Boa pra que, Antônia?


– Pra rebuçar, uai!


Eu aqui já estava pensando bobagem, posto que a
sonoridade da palavra lembra mesmo uma bobagem, e ri meio maliciosa, meio sem graça, e então vi que ela me olhava sem entender minha reação.
Daí decidi perguntar o que é rebuçar, ao que ela respondeu:


– É ponhá por riba. Cobrirrr, igual ocês fala.


Ah, bom
* * *

Numa das primeiras faxinas que Antônia fez aqui em casa, eu falei para ela lavar algumas coisas com água sanitária.

– Lavar com o que?


– Com água sanitária. – e mostrei a ela o frasco da dita cuja.


– Ah, qui boa!...


Depois de um breve intervalo, ela começou a resmungar:

– Uai, os trem tem um nome tão facim, tão justim pra nós atinar e ocês tem mania de inventar uns nome custoso que nós num atina e nem dá conta de falar.

– É que água sanitária é o nome desse trem, não importa a marca, – e
expliquei a ela o que é marca, dando exemplos conhecidos por aqui, é claro – Q-Boa é só o nome da marca, igual tem outros nomes. Como Q-Boa é a mais conhecida, o povo se acostumou a chamar toda água sanitária com este nome, entendeu?

– Entendi. Mas por quê que eles num inventou o trem logo com o nome
mais facim, uai?

Ora, pois!...


* * *

Eu tenho um cachorro que é o próprio filho único – mimado e malcriado – e que tem mania de pular alegremente nas pessoas.
Só que
ele é um viralata negão e grandão, assusta quem não o conhece – e em alguns casos, até quem o conhece.

Antônia, naturalmente, tinha um certo medo dele, a
princípio. Mas como era ela quem cuidava da fera quando eu fazia minhas pequenas e breves viagens, teve que controlar este medo.
E o
modo que ela achou para se fazer respeitar foi falar com ele bem brava, bem agressiva mesmo.

Um dia, quando entrou no terreno – e ele, como de costume,
começou a pular feito um louco – ela não teve dúvida e falou rápido, com a voz rascante da braveza:

– Quietaí, fidaputa!


Eu, que estava por perto, fingindo uma dignidade ferida, falei:


– Antônia, como é que você chama meu filho de
fidaputa e bem na minha cara?!

Então ela, não menos cínica, argumentou:

– Uai, e eu lá tenho culpa d´ocê, além de ter um fíi cachorro, tem um
cachorro que é fidaputa?

Pois é. Contra uma lógica tão perfeita, quem é que pode argumentar?...

* * *

Antônia tinha um companheiro com o qual ela não mais queria viver.
Mandou-o ir embora várias vezes, mas ele voltava dizendo
que ia mudar, que gostava dela, e acabava ficando. E mudar que é bom, não mudava nunca!
Bebia todo o dinheiro das contas e da comida, dava
um prejuízo danado, daí que ela passou a chamá-lo de Enguiço.

Um dia o Enguiço adoeceu. Foi ficando magro, abatido, ruim mesmo.
O médico, por fim, decidiu interná-lo – estava com cirrose
hepática.
Não passou muito tempo e o Enguiço morreu. Depois disso
Antônia nunca mais se referiu a ele pelo apelido, mas sim pelo nome – Laurindo.

No meu entender, isso demonstra um profundo senso de
respeito. Ou então é a velha história de que não se deve falar mal dos mortos.

A morte devolveu ao Enguiço não apenas a honra, mas também o nome.



Maria Iaci Pirenópolis, junho de 2000

O Flatomóvel


Ele era um mecânico habilidoso e criativo.

Mas também era um cara daqueles que comem ovo cozido, torresminho e croquete de boteco, pastel de carne, batata doce com melado, muito feijão com lingüiça, acarajé com pimenta, além de beber litros de refrigerante, de caldo de cana, de cerveja e de café.
O resultado desta dieta tão light era que ele sofria de flatulência, que é o nome chique para peidorreira desenfreada.


Num belo dia em que levou a namorada para passear num dos carrões que tinham sido deixados na oficina para consertar – ele consertava e dizia que, pra testar, tinha que passear com a namorada –, aconteceu d'ele olhar pro mostrador do combustível e ver que estava bem baixo e, ao mesmo tempo que constatava isso, soltou um sonoro e muito odoro traque, daqueles de estremecer o ambiente e derreter materiais sintéticos e, enquanto sua sufocada namorada abria o vidro entre indignada e desesperada, bateu a inspiração no mecânico – por que não fazer um carro movido a peido? – E, muito entusiasmado, fez esta mesma pergunta para a sua garota, que, entre grandes sorvos de ar poluído pelo trânsito (que a ela parecia o mais puro ar naquele instante) com a cabeça toda pra fora da janela do carro, prontamente respondeu:

– Bom, combustível pra você nunca vai faltar, não é mesmo?

* * *

Nosso flatulento amigo não demorou a por mãos à obra e fabricou um bom carrinho movido a gás biodigestivo, ou seja, a pum.

Mas, apesar de todo o entusiasmo com que se empenhou em fazê-lo, acabou constatando que não dava lá muito certo esse negócio.
Primeiro, porque o cheiro da descarga era insuportável! Mesmo depois da combustão, quando teoricamente o cheiro, digamos assim, de putrefação biodigestiva seria eliminado, por alguma razão que só a química conhece, o cheiro que saía lá no cano de descarga lembrava o suave aroma de um imenso ninho de ratos mortos, acrescido das meias usadas por todos os adolescentes depois da educação física e de todas as cuecas sujas esquecidas no fundo da gaveta – era o carro passar pela rua e ficava um rastro de pedestres sufocados, engasgados, alguns desmaiados, os viralatas saíam ganindo, as plantas nos jardins próximos à rua murchavam instantaneamente, os papelinhos jogados pela rua se incendiavam, enfim, eram tantas e tão incômodas as conseqüências da descarga do tal veículo, que este motivo por si só já inviabilizaria o projeto.

Mas o que acabou pegando mesmo, o que tornou o projeto definitivamente inviável, foi o modus operandi através do qual se processava o abastecimento.
Nosso peidorreiro inventor deu voltas e mais voltas no seu criativo cérebro para descobrir um modo prático de armazenar tão volátil combustível – engarrafar saía muito caro, porque um único punzinho era insuficiente pra encher uma garrafa de um litro, seriam necessários muitos punzinhos para preenchê-la, mas o gargalo da garrafa teria que ter uma válvula sofisticada para impedir que os peidos já armazenados escapassem no ato de engarrafar mais um e que não encrencasse na hora de abastecer o veículo, e tal válvula custaria tão caro que não valia a pena. Então o único modo que ele achou economicamente viável para fazer o abastecimento, era o que ele chamou de direto do produtor para o consumidor, ou seja, ele adaptou uma mangueirinha metálica flexível (resistente à corrosão do flato) que terminava lá na câmara de combustão e que começava bem no meio do assento do motorista, cuja ponta projetada para fora deveria ser encaixada com firmeza no orifício anal do motorista, ou seja, no fiofó do chofer, ou seja, no oribozinho do piloto. E isso, além de causar um incômodo extraordinário, abalava suas convicções machistas e preconceituosas.

Fora o que, para poder fabricar bastante combustível, passou a radicalizar mais ainda na dieta, tendo que parar no boteco mais próximo a cada cinco ou seis quilômetros rodados e se entupir de porcarias engorduradas, de modo que acabou ficando doente, com todas as taxas más bem altas e todas as taxas boas bem baixas, causando má circulação, má digestão, má disposição e, além da flatulência desenfreada, arrotos que saíam queimando como lança-chamas.
E ainda levou um pé na bunda – sua namorada o trocou por um balconista de perfumaria –, no que foi facilitado pelo modelito das calças que usava (como todo mecânico que se preze) que caía pela bunda abaixo, deixando trinta centímetros de rego aparecendo (o que também era muito conveniente na hora de abastecer o carro); e ainda por cima levou uma bruta multa do IBAMA por poluir o meio ambiente.


Hoje ele está melhor. Maneirou na dieta, melhorou de saúde, arranjou outra namorada e agora se dedica de corpo e alma ao seu mais novo projeto: o uso da meleca na calafetação dos veículos refrigerados.


Então, boa sorte, amigo!


Conto escrito por Maria Iaci, para o Bernardo, em fevereiro de 2004, Brasíla.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Interpretação do Hino Nacional



Em tempos de pré-Copa do Mundo, o Hino Nacional vira hit -- todo mundo quer cantar, mas a maioria só enrola... mesmo porque a letra usa e abusa das inversões morfológicas, botando os predicados-carroças na frente dos bois-sujeitos, sem mencionar os adjetivos já fora de uso.
Aproveitando o ensejo, resolvi elaborar um pequeno exercício de interpretação do texto do nosso glorioso Hino, para ver quantos de vós, ilustrados leitores, estão em dia com o nosso lusitano idioma de trás-antônti...

Ouviram do Ipiranga às margens plácidas
De um povo heróico brado retumbante

a) Um caboco de nome Ipiranga, assentado na beira do córgo, ouviu um povo arretado bradar uns cum os outro.
b) Um cabra de nome Ipiranga ouviu as marge do ribeiro despencá -- plá! -- e os povo, assustado, garrou a bradar!
c) Um home de nome Ipiranga falou "as marge prácida", mas eu num sei o quê que isso qué dizer, não sinhô...

E o sol da liberdade em raios fúlgidos
Brilhou no céu da pátria nesse instante

a) Tava uma soleira arretada, mas deu um truvão de repente que chega a briá no mundo tudinho!
b) O sol tava quereno ser livre e solto e, entonse, quis fugir e, no que ia fugino, briou no céu tudinho!
c) Eu sei que o sol briou no céu nesse instantinho, mas o resto eu num sei, não sinhô...

Se o penhor desta igualdade
conseguimos conquistar com braço forte

a) Punharo a iguardade no prego e, adispois, rependido, foi lá tumá de volta na marra.
b) Os home butaro no prego uma iguardade que eles tinha tumado de alguém na porrada.
c) Tá falano aí de prego da caxa e de braço parrudo, o resto eu num sei, não sinhô...

Em teu seio, ó liberdade!
Desafia o nosso peito a própria morte

a) O caboco tá solto e atrivido nos peito da muié e nem num tem medo do marido dela, que pode chegá e querê tumá sastifação e inté dá uns pitoco nos peito dele!
b) O cabra tá dizeno que, pelos peito da quenga, ele inté desafia a morte!
c) Falô aí de peito e de morte e de liberdade; parece putaria; o resto eu num sei, não sinhô...

Ó Pátria amada, idolatrada, salve, salve!

a) Tá pidino pra sarvá a pátria que ele gosta dum tantão assim!
b) Tá pidino pra pátria, que ele ama à ufa, sarvá ele.
c) Tá pidino socorro pruma quenga de nome Pátria.

Brasil de um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce

a) O caboco tava sonhano quando caiu um raio, entonse ele, pesar de cheio de amor e de esperança, baxô pra cova...
b) O cabra sonhô que um truvão desabestado caiu na terra e matô o amor e a esperança...
c) Eu atinei cum o Brasil, cum o rai, cum o amô e a isperança e cum a terra, mas o quê que isso tudo qué dizê eu num sei, não sinhô...

Em teu formoso céu risonho e límpido
A imagem do Cruzeiro resplandece

a) Tinha um cruzeiro grande, desses da sumana santa, erguido prum céu retado de fromoso.
b) Um cabra jogou pro alto um cruzero, que é o dinhero antigo, e ficô lá rino, esperano um trôxa ir lá pegá...
c) Tem lá um céu fromoso que ri (cumé que pode um trem desse, sô?) e um reau dos antigo, o resto eu num sei, não sinhô...

Gigante pela própria natureza
És belo, és forte, impávido colosso,

a) O caboco vivia solto nos mato, aí ficô tão grande e parrudo que virô gigante; o resto é boiolage e eu nem num quero sabê!
b) A minha religião num premite falá dissaí, não.
c) Íxe, óia a putaria aí de novo, sô! Que farta de poca-vergonha!

Se teu futuro espelha esta grandeza
Terra adorada, entre outras mil
És tu, Brasil, ó Pátria amada

a) Tá dizeno que a terra do Brasil é vaidosa, num pode vê um espêi que já vai lá se inzibí...
b) Tá esperano um espêio maió pra adispois, prumode vê o mundão de terra do Brasil...
c) Continua a putaria, sô!

Dos filhos deste solo és mãe gentil
Pátria amada Brasil

a) Os fíi da mãe dessa terra é tudo gentil!
b) Os fíi da mãe dessa terra é tudo boiola!
c) Vão pará c'a putaria aí, sô?!

Deitado eternamente em berço esplêndido
Ao som do mar, à luz do céu profundo

a) O caboco fica derreado na cama o dia e a noite tudinha, só ouvino o barúio do mar e nem num simporta c'a luz do sol na cara dele!...
b) O cabra priguiçoso fica só deitadim no berço do fíi dele, ouvino as onda do mar e oiano pro céu o dia tudinho!...
c) Bão, pelo meno parece que o caboco tá deitado suzinho, né? Intonse cabô a putaria...

Fulguras, ó Brasil, florão da América
Iluminado ao sol do novo mundo

a) Tá dizeno que o Brasil é o maió frozinha das América e que bria dum tanto que ilumina o céu do mundo novo tudinho!
b) Tá duvidano da masculinidade do Brasil, sô!
c) Pronto, evêm a putaria de novo!

Do que a terra mais garrida
Teus risonhos lindos campos têm mais flores

a) Tá dizeno que o Brasil é mais frozinha do que as terra mais boiola que tem no mundo!
b) Continua duvidano da masculinidade do Brasil, sô!
c) Se eu sabia que era tanta indecência, nem num começava essa merda!

Nossos bosques têm mais vida
Nossa vida no teu seio mais amores

a) Diz aí que nos nosso mato tem mais bicho, mais pranta verdinha, e que nóis leva a vida nos peito da muié...
b) Diz que nossas floresta é cheia de bicho e de pranta, por isso que nóis veve infurnado nos peito da muiezada...
c) Credo cruz, vadirreto, fiducão!

Ó Pátria amada, idolatrada, salve, salve!

a) Tá de novo pidino pra sarvá a pátria.
b) Tá pidino de novo pra pátria sarvá ele.
c) Tá pidino socorro de novo p'a quenga. E eu tumém...


Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,

a) Tá dizeno aí que o Brasil deve de se afeiçuá pra todo o sempre do símbalo dum trem que eu num tendi quê que é, não.
b) Ói... eu atinei com o Brasil, o amor eterno e o estrelado... o resto parece ingrêis da frância.
c) É... Brasil de amô num sei que lá... sei não, mas tá pareceno putaria ainda...

E diga o verde-louro desta flâmula
-- paz no futuro e glória no passado

a) É pr'um papagai dizê que amanhã é de paz e ônti foi de grória.
b) Um papagai só pode dizê paz no futuro e grória, no passado.
c) Cuma é que um verde pó sê loro??? O é loro, o é verde!

Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

a) Tá dizeno que os fíi dos caboco daqui num tem medo da dona justa, não, e num foge da raia na hora de distribuí uns cascudão e umas bifa no pé d'orêia.
b) Tá dizeno que, pesar dos ômi da lei sê tudo durão, os fíi da terra não só num foge, cuma num tem medo nem de morrê, que inté acha que é bão morrê!
c) O fíi de arguém aí num tem medo da puliça e nem da morte, nhalinhais, inté é afeiçuadim mais ela. Deve de sê desses degenerado que adora o coisa ruim.

Terra adorada, entre outras mil
És tu, Brasil, ó Pátria amada

a) O caboco tá dizeno pra Pátria, namorada dele, que gosta demais da conta da terra do Brasil!
b) O cabra deve de tá com bicha no bucho, pruque ele gosta de comê terra, mas só si fô terra do Brasil.
c) Continua a putaria, sô!

Dos filhos deste solo és mãe gentil
Pátria amada Brasil

a) Os fíi da mãe dessa terra é tudo gentil!
b) Os fíi da mãe dessa terra é tudo boiola!
c) Agora retei di vêis! Engole e digere o que disse, seu coisa ruim!


Etimologia Fake

Fiat Lux!

Caríssimos leitores, sendo perspicazes como sois, já devem ter reparado que na rede pululam fatos e informações da mais descarada improcedência e falsidade.
Cansada de lutar contra isto, dei-me por vencida e resolvi unir-me a eles, aos descarados falsificadores; então criei uma pequena e singela contribuição etimológica para a avalanche de falsidades que assola a web. Lá vai.

REMÉDIO
A origem do vocábulo "remédio" remonta à época dos antigos Essênios (2600 a.C.), os quais, desconhecendo completamente a química, a biologia, a farmacologia e a medicina, costumavam curar suas doenças e achaques através de mantras entoados pelos sacerdotes, mantras estes que só surtiam efeito se fossem entoados no exato tom entre o ré maior e o ré menor, ou seja, em ré médio.

MEDICINA
A origem do vocábulo "medicina" remonta à época dos antigos Sumérios (2800 a.C.), os quais, como seus futuros colegas Essênios, desconhecendo completamente a química, a biologia, a farmacologia e as medicinas alternativas, ao se depararem com seus pacientes enfermos nada mais podiam fazer a não ser escarafunchar aqui e ali, apalpar aqui e acolá, fazer uma sangriazinha básica utilizando nojentas sanguessugas ou adagas de osso rituais, para então declinar seu diagnóstico, que se restringia a uma mera datação da desgraça (ou da bonança) do sofrente, dizendo:
"Este aqui já está com o pé na cova."
"Aquele ali ainda vai aguentar umas 37 luas."
"Esta aí vai ficar boa, mas vai demorar um pouquinho e vai custar uns doze cabritos, cinco ovelhas, quatro búfalos e umas barrinhas de ouro."
Daí que eles apenas mediam a sina do sujeito -- daí o termo: "mede sina", que com o tempo tornou-se "medicina".

BASTARDO
As cidades primitivas costumavam ser cercadas por altas muralhas, em cujos cantos se erguia o bastião, que era uma espécie de forte guarnecido de bravos guerreiros que ficavam vigiando durante a noite e a madrugada, de modo a poder rechaçar os inimigos sem demora e com segurança.
Acontecia, porém, que as donzelas fogosas e incontidas do local às vezes fugiam de suas alcovas, alta madrugada, e iam alegres e fagueiras entregar-se aos bravos guerreiros, cheios de tédio, frio e sono trancados nos bastiões. Passados alguns meses, estas donzelas surgiam com rotundas barrigas e as pessoas, então, comentavam:
"Esta criança aí é filha do bastião tardo."
Com o tempo e a preguiça vernacular, o termo foi encurtado para "bastardo".
Esta é também a origem de um conhecido nome:
"Esse é bastião!" diziam as más línguas sobre aqueles cuja paternidade era controvertida.
"Cê é bastião, cabra safado!" diziam os maledicentes para seus desafetos.
Com o tempo e a vernacular preguiça, o termo encurtou-se e se tornou nome: "Sebastião".

MÚSICA
A origem do vocábulo "música" remonta à época dos Gregos Helênicos (6700 a.C.), os quais, ainda criando e balbuciando os primeiros vocábulos, costumavam comunicar-se através de sons onomatopéicos (como splash, atchim, cóf-cóf, pum etc), e sendo grandes admiradores dos sons melodiosos e harmoniosos, passeavam pelos campos a ouvir seus animais cantando -- a vaca fazendo "múúúuu", a abelha fazendo "zíííiiii" e o galo fazendo "cacaricó" --, então criaram o termo mu-zi-ka para designar todo e qualquer som melodioso e harmônico. Com o tempo e a vernacular preguiça, o vocábulo passou a ser grafado assim: "música".

RESPEITO
O vocábulo "respeito" remonta à época da ocupação moura na Península Ibérica (2500 a.C.), quando os bravos e bárbaros guerreiros, para angariar a admiração e a aprovação de seus pares, costumavam enfrentar um touro (res), igualmente bravo, de peito aberto, ou seja, destituídos de seus coletes de couro e de suas cotas de malha. Os companheiros daquele que obtinha sucesso em tal empreitada, então, diziam:
"Este é um bravo! Enfrenta a res de peito aberto!"
Com o tempo e com a vernacular preguiça, o termo foi-se encurtando:
"Este é um res-de-peito-aberto!"
"Este é um res-de-peito"
Sendo, porém, os lusitanos dados a uma reinterpretação das idéias, com o tempo passaram a dizer:
"Este é de-res-peito, ó pá!"
Até o termo se tornar simplesmente "respeito".

FORMIGA
O vocábulo "formiga" remonta à época dos primitivos Anglo-Saxões (4600 a.C.), os quais, sendo muito brincalhões, costumavam juntar uma razoável quantidade daqueles bichinhos, cuja picada ardia como fogo, acondicionando-os em belas embalagens para presente e os ofertando aos incautos amigos que, ao recebê-los, diziam:
"For me, guy?"
Com o tempo e com a vernacular tradução pro lusitano, o termo acabou virando "formiga".

COMUNISTA
O vocábulo remonta à época dos antigos Czares Russos (1700 a.C.), quando existiu um singelo camponês das estepes que, mesmo sendo muito pobre, costumava repartir na marra e na manha os bens e recursos daqueles mais abastados com os mais necessitados. Este camponês, de nome Istaparovsk, era mais conhecido por seu apelido, Ista; e quando alguém queria dizer que um sujeito era extremamente generoso e altruísta (sem trocadilhos e com o dinheiro alheio), dizia:
"Este é como um Ista!"
Com o tempo e com o frio de rachar que fazia por aquelas bandas, obrigando-os a falar entre dentes, a frase passou a ser pronunciada assim:
"Este é comunista!"

CARROÇA
O vocábulo "carroça" remonta à época dos primeiros fabricantes de carros de luxo de Detroit, USA (1936 a.C.), os quais, orgulhosos, arrogantes e fanfarrões, quando viam alguém conduzindo um humilde veículo de tração animal passar pelo seu brilhante e possante Cadillac rabo-de-peixe, costumavam rir e debochar dizendo:
"Lá vai o pobretão com seu carro da roça! Rá rá rá!..."
Com o tempo e com a vernacular preguiça dos capiaus, o termo encurtou-se e virou "carroça", sô.

RECORDE
O vocábulo "recorde" remonta à época dos primitivos Nordestinos da região do Agreste (1500 a.C.), os quais, durante os prolongados períodos de seca, quando não tinham o quê nem como plantar, nem mais animais para cuidar, nem nada mais para fazer e, extenuados pela sede e pela fome, costumavam andar de quatro, para lá e para cá, caçando mandacaru, para passar o tempo usavam propôr uns aos outros:
"Ramo rê (vamos ver) quem corre mais, de quatro?"
Com o tempo e com o vernacular cansaço que a brincadeira produzia, foram abreviando a fala para:
"Rê quem corre mais de?"
"Rê quem cór de?"
E assim surgiu o termo "recorde" que, na atualidade, passou a ser utilizado genericamente para designar qualquer feito portentoso que ultrapasse a marca anteriormente registrada.

Eureka!


Descobri o mal supremo que aflige a humanidade!
Depois de muito refletir, com cuidado, critério e método, cheguei à resposta definitiva.

Os muçulmanos brigam com os judeus e com os cristãos, e vice versa, porque cada um tem a firme crença de que é detentor da verdade final e absoluta. E se você for perguntar pra qualquer um deles como é que eles têm assim tanta certeza de que detêm a verdade final e absoluta, todos responderão que uma voz interna os adverte e instrui neste sentido, e que esta voz interna vem de Deus, ou de Alá, ou de Jeová, ou de seja lá qual for o nome que se dê pro Chefão Supremo do Além Mundo & Cia.

Os da dita Esquerda brigam de foice e martelo com os da dita Direita que, por sua vez, respondem com toda a força do seu imbatível e crescente e onipresente e superpoderoso poder econômico. E se você for perguntar pra qualquer um deles como é que eles têm assim essa certeza toda de que detêm a verdade final e absoluta, todos responderão que uma voz interna os adverte e instrui neste sentido, e que esta voz interna vem da Razão, ou de seja lá que nome se dê a esta entidade tão abstrata quanto os Deuses todos.

E mesmo os aparentemente neutros ficam olhando e observando toda essa brigalhada mortal e lá com seus botões e zíperes ficam a pensar -- que bando de maluco! -- e se você for perguntar pra eles por que pensam assim, todos irão responder que eles é que detêm a verdade final e absoluta, que vem de uma voz interna que os adverte e instrui neste sentido, e que essa voz interna vem de Buda, ou de Osho, ou de Praxanta Nashota, ou de Rumnagrahma, ou de Brahmanacâneka, ou de seja lá que nome se dê pro seu Guia e Guru Supremo Detentor de Toda a Verdade Final e Absoluta.

Ora, esclarecidos leitores, não é preciso ser psicólogo ou psiquiatra para se saber que este negócio de ouvir vozes internas é o sintoma primeiro da manifestação da esquizofrenia...
Daí que descobri que o problema primordial da Humanidade é exatamente este -- ela padece de esquizofrenia. Por isso ninguém se entende.
Simples, não?

Que fome zero o quê! Que emprego pra todos o caramba! Que educação ambiental nada! Que distribuição de renda o cacete! Que diplomacia que nada, rapaz!
O negócio é pôr todo mundo pra se tratar com os doutores da psique -- e já!

Quê que cê tá esperando? Corre já pro divã, rapaziada!