quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Causo quase porno-erótico da arquiteta



-- Dotora, os home da betonera chegô, mas eles não truxe o vibradô.

Ao enunciar esta frase, o mestre de obras deixou entrever um brilho de prazer irônico no olhar e virou o rosto, olhando pro horizonte de valas abertas e estacas e fios e a parafernália de praxe.

-- E você não tem um vibrador lá no seu quarto de ferramentas?

Não foi fácil manter a postura e a compostura de quem não pretende passar recibo por aquele olharzinho sacana. Mas a voz saiu quase, quase natural, talvez apenas um pouco mais lenta e grave...

-- Tenho não, dotora... mais num será o causo de a sinhora ter um aí na sua bolsa, não?

Aposto que foi isso que ele pensou, o safado. Só se eu fosse a Mara Tara, pra ter um vibrador de concreto na minha bolsa. Além do mais, ele teria que ser retrátil, como os... de verdade. Ou então eu teria que carregar num tubo daqueles de guardar projeto. Ai, que viagem! Olha eu embarcando na minha própria alucinação! Pra quê que eu iria querer um negócio desses? Pra vibrar concreto. Mas eu não ponho a mão na massa. Nem o vibrador.

-- Vá perguntar na obra ali na esquina se eles podem emprestar um.

Boa!... Assim eu mato vários coelhos com uma caixa d'água só. Me mantenho na posição de autoridade máxima comandante em chefe desta joça de obra, mando ele sair da minha presença por alguns instantes e ainda resolvo o problema da falta de vibrador. De concreto.

Nos minutos que ele leva pra ir até lá e conversar fiado com o outro mestre de obras e só então voltar, recomponho minha dignidade à beira de um ataque de risos. Sabe como é, tem que manter o respeito, senão, ba-bau! Mas não tá fácil. Alguém, por favor, conta uma piada aí, depressa!

-- Eles emprestou.

Quantos homens simples e rudes estão presentes em torno das valas dos baldrames, prontas pra receber o recheio? Uns doze a quinze, eu diria, contando com o motorista da betoneira. Quantas mulheres? Uma, eu. Qual é minha função nesta obra? Acompanhar, supervisionar e ser responsável técnica. Tá, então, o quê que eu faço agora? Abotoa uma cara de tô nem aí, assista às primeiras vibradas e dê-se por satisfeita. Profissional e tecnicamente falando.

O concreto vai sendo derramado, meio viscoso, meio áspero, bruto. E o mestre de obras começa a função. Levanta aquele vibrador que poderia ser o brinquedinho de uma elefanta solitária e fogosa, num gesto muito másculo de caubói extemporâneo, liga a coisa no ar e só então vai baixando, lentamente, até a vala, agora cheia daquela massa pedregosa (daí a necessidade de se vibrar), e afunda a trapizonga com uma espécie de volúpia mal contida...
Seus olhos estão baixos, voltados pro serviço. Mas a expressão do rosto é de puro divertimento cínico. Ou de cinismo divertido, não sei bem.
Meus olhos estão baixos (minha visão periférica é muito boa), voltados pra vala. Minha expressão, provavelmente, é de alguém que está tentando disfarçar o fato de que tem uma abelha viva dentro da boca. A hilaridade da cena é coisa de filme! Comédia pura!
Ele capricha nas entradas e saídas, nos requebros de pulso, nos staccatti e nos vibratti; caminha com lascívia quando se dá por satisfeito num trecho e recomeça em outro, sem perder o timing nem a marotice nos gestos. E o tempo todo faz caras e bocas que poderiam ter sido do Chaplin. Ou do Mister Bean.

-- Bem... muito bom, excelente trabalho. Continue fazendo assim.

-- Não pára! Não pára! Não páááraaa...

Aposto que ele pensou isso, o cafajeste.
Vou caminhando em marcha tranquila até o meu carro, que está lááá longe. E ainda bem que está, porque, assim que entro e fecho a porta, posso soltar toda a gargalhada que tinha ficado entalada até então, daquelas de sair lágrima dos olhos e a gente ficar sem força...
Quando finalmente consigo arrancar com o carro, vou pensando.
Algumas profissões têm batismo de fogo, outras de água, quiçá haja as de terra ou de ar. Mas a profissão de arquiteta tocadora de obra tem batismo de vibrador. De concreto.
E a primeira vez a gente nunca esquece...

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