quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ciúme



O ciúme nasce no pensamento.

A pessoa primeiro tem que pensar -- pô, tô sendo traída(o)!

Não. Não é assim tão simples. A raiz e causa primária desta triste constatação, que também vem do pensamento, é a estranha distorção que os fatos reais sofrem lá pelos intricados caminhos neuronais no cérebro da(o) ciumenta(o).

Pra ilustrar esta idéia, vou contar mais um causo.


Há uma expressão muito boa, que traduz com perfeição aquela situação em que a pessoa enxerga coisas que, na realidade, não estão ali -- "ver chifres na cabeça de cavalo".

Assim é com o ciúme mega-ultra-super-hiper-exacerbado.
Só que, no caso, muito tristemente, não se vê os chifres exatamente na cabeça do aliviado equino.

Para este tipo de ciumenta(o), toda e qualquer pessoa do sexo oposto que se aproxime do seu ser amado, ou que simplesmente se encontre dentro do seu campo de visão, torna-se imediatamente uma ameaça. Não potencial, mas real. Na sua fértil imaginação, naturalmente.

E este era o caso de Margarida.

Tava lá o Pitchuquinho saindo da facul de mãos dadas com a Margarida, quando chega uma colega deste, a Cássia Carolina Duncan Ro Ro, e começa a conversar:

-- E aê, rapá? Bora bater uma bolinha no sábado e depois vamo jogar uma sinuquinha de leve, hein? Tomar umas breja com linguicinha, hein? Linhais, cê tem umas chuteiras pra me emprestar, véi? As minhas eu emprestei pro Sandrão, aquela minha amiga que trabalha na estiva, tá ligado?... Pensando bem -- ela diz enquanto olha pros pés do rapaz -- acho que não vai dar... seus pés são muito pequenininhos!

Mas o que a Margarida ouvia era o seguinte:

-- Ai, meu gostosão irresistível, meu garanhão atlético, meu atleta de colchão, meu docinho de coco ralado... * suspiro * ... que tal um motelzinho no sábado depois do seu futebol e da sua sinuquinha, hein, meu gatinho manhoso?

Depois quem pagava o pato era o pobre do Pitchuquinho, que tinha que ouvir uma enxurrada de "gentis" palavras, sem ter feito nadinha que justificasse o fato.
E era sempre assim, fosse a velha tia de Botucatu tamanho GGGplus que veio pra visitar, fosse a priminha magérrima, de pernas tortas, dentucinha, com um ligeiro problema de acne e um discreto estrabismo, fosse a faxineira do supermercado, a médica do posto de saúde, a avó do melhor amigo, a própria irmã, a sobrinha de sete anos de idade, não tinha conversa. Margarida logo enxergava trocas de olhares e de e-mails, telefones, orkuts e facebooks; via línguas sendo passadas lenta e sensualmente pelos lábios, olhares de peixe morto, poses lascivas e sensuais, tudo dirigido inequivocamente ao seu Pitchuquinho... e mandava ver na bronca -- espinafrava tanto o coitadinho, quanto a involuntária e inocente "rival", que ficava com cara de será-que-ela-tá-me-confundindo-com-outra-pessoa?


Um dia o Pitchuquinho se cansou dessa história. Não é que tivesse deixado de amar a moça, mas simplesmente não conseguia mais se acostumar à coleira. Nem à bola de ferro presa aos pés. Nem às correntes e cadeados. Nem à burka. E muito menos às alucinações da Margarida, que decididamente estava a cada dia viajando mais e mais na maionese.
Então deixou a moça e se casou com a Literatura.
Dizem que hoje em dia o casal está muito bem, obrigada, e que já teve muitos filhinhos -- Conto, Crônica, Romance e Poesia. E ainda há um Ensaio na barriga.

E a Margarida?
Deve estar com o Tchutchucão, agora, e como de hábito, provavelmente ainda estará a enxergar enormes guampas na cabeça de uma certa imaginativa e ciumenta potrinha...

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