terça-feira, 4 de agosto de 2009

Fábulas Fabulosas ou Classicozinhos Infantis Revisitados - Cap. VI



Era uma vez, num longínquo e próspero Reino edificado num lindo planalto central, um homenzinho muito pequeno, praticamente um anão -- pois que lá havia muitos deles --, cujo polegar da mão direita era ainda menor, mesmo em proporção ao tamanho do seu dono. E este seu peculiar dedinho tinha uma característica muito particular -- era capaz de contar rapidamente as moedas de ouro em seu bolso, de modo discreto e preciso, sem que o seu interlocutor ou qualquer outro possível observador percebesse. Tampouco pensariam que ele estava coçando certas partes da anatomia que não se deve coçar em público, nem mesmo com a mão no bolso...
E, do mesmo modo como facilmente contava as moedas em seus próprios bolsos, era com a máxima rapidez e discrição que as transferia para outros devidos ou que as pescava no interior destes últimos.

Pois o nosso homenzinho vivia pra cima e pra baixo do Grande Palácio Real, articulando alianças, lobbies, conchavos, tramóias, mutretas, conspirações, intrigas, desvios de verbas, falsidades ideológicas, calúnias, álibis, apropriações indébitas e demais ações próprias de gente muito baixa, sempre a soldo daqueles que lhe encomendassem qualquer uma delas.

Como a discrição era a sua marca e, além disso, sua pequena estatura o tornava invisível na multidão, ele sempre obtinha sucesso em seus intentos. E sendo muitíssimo bem relacionado com a alta nobreza, não tinha dificuldade alguma para ter acesso a quaisquer câmaras ou demais nobres, reais e majestáticos aposentos ultraprivativos dos grandes e poderosos duques e barões, de modo a levar seus negócios direto ao topo da pirâmide do poder e evitar o incômodo, incerto, demorado e dispendioso expediente de lidar com assessores e demais subalternos.

Por muitos e muitos anos, nosso pequeno, discreto, astuto e bem-relacionado lobista do polegar minúsculo viveu muito contente, pois nada o estorvava muito seriamente em suas negociatas e intrigas e, portanto, ele ficava a cada dia mais e mais escandalosa, fabulosa e secretamente rico.
Foi aí que a coisa começou a mudar...
Alguns dos duques e barões, preocupados com a crescente fortuna do homenzinho que, somada ao seu conhecimento de todas as tramóias já praticadas no Reino, lhe confeririam um poder extraordinário, tornando todos os grandes, nobres e majestáticos dirigentes do Reino seus reféns, reuniram-se secretissimamente a fim de discutir o que fazer a este respeito.

O Barão Antonius Carlus, ligado à Grande Liga dos Artesãos Construtores do Reino, como era bem de seu estilo, foi logo sugerindo que encomendassem com presteza sua partida desta vida, de uma vez por todas.
O Duque Amicus Regis, ligado à Grande Liga dos Coletores da Produção dos Vassalos, achou que essa atitude extrema atrairia a atenção de outros reinos sobre aquele... e que isso seria de todo indesejável, pois que iria arruinar muitos importantes e altamente rentáveis negócios que mantinham entre si.
O Visconde Paulus Malufus, ligado à Grande Liga dos Monopólios e Trusts Reais, sugeriu então que preparassem alguma armadilha, sob a forma de um novo negócio, de modo a que, tudo articulado prévia e secretamente entre eles, o homenzinho fosse levado a perder toda a sua já imensa e crescente fortuna e, portanto, assim também perdesse o poder assustador que estava adquirindo sobre eles.
Trama daqui, articula de lá, arremata-se dacolá, chegaram a um consenso e puseram seus planos em ação sem perda de tempo.

* * *

Passado um longo tempo, numa belíssima manhã de primavera, naquela hora em que os aldeões estão despertando para um novo dia de labuta e exaustão, vem pelas ruas o Anunciador Oficial do Reino, caminhando lentamente enquanto, numa voz límpida, clara e potente, recita as últimas notícias:

"Agência O Reinão - Termina o julgamento do processo do Povo contra o Pequeno Polegar, acusado de desviar verbas do erário para seus próprios bolsos, de articular intrigas para prejudicar concorrentes nos negócios, de burlar as leis na consecução de contratos, de tentar corromper autoridades, de se apropriar indebitamente de bens e rendas alheias, de formação de quadrilha, de prevaricar, mentir, omitir, locupletar, acobertar, obstruir, confundir, tergiversar, evadir, deturpar, sonegar, além de falsidade ideológica.
O juiz da Corte Máxima, responsável pelo julgamento em centésima e última instância, após anos de condenações e conseqüentes apelações, recursos e demais artifícios legais perpetrados pelos advogados de defesa, o condenou a dez dias num Spa-Hotel Fazenda de Segurança Máxima, ao cabo dos quais fica o cidadão obrigado a voltar às suas funções normais no serviço público, conforme previsto nas leis especiais que regulamentam sobre direitos e deveres dos colarinhos brancos.
Questionado por este anunciador sobre o que achava desta sentença e que planos teria para o futuro, Pequeno Polegar foi bastante enfático e sorridente ao responder, enquanto esfregava suas pequenas mãosinhas uma na outra, que estava contentíssimo por ter sido feita a justiça, ainda que de modo incompleto; que a pena, apesar de dura e implacável, era mais uma pedra que ele teria que superar em seu árduo caminho, que estas calúnias que culminaram em semelhante processo não iriam atingir sua honrada pessoa, pois que um dia iria conseguir comprovar sua total inocência, e que não via a hora de voltar aos negócios e ao convívio entre seus pares, os quais, ele estava certo disso, ficariam igualmente contentes e encantados por ter este seu velho e conhecido camarada de volta às suas funções normais."

E todos no Reino viveram felizes para sempre, ou seja, voltou tudo a ser como antes, com pequenas e insignificantes variações e ajustes só pra manter as aparências.

Moral da história: mais vale um polegar pequenininho do que um olhão gordão.

(entendam, todos os meus queridos baixinhos, que a "gente muito baixa" a que me referi aqui nada tem a ver com a altura do corpo -- vocês são pequenos na embalagem, mas imensos em seu precioso conteúdo!)

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