segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Fábulas Fabulosas ou Classicozinhos Infantis Revisitados - cap. IV



Era uma vez uma linda princesa que calçava 43 bico largo, cujo pai, o Rei, estava muito doente e, não tendo outros herdeiros, precisava casar sua filha com algum rico, nobre, real e majestático príncipe de um dos reinos da vizinhança, de modo a perpetuar a linhagem de sua nobre, real e majestática espécie, bem como o domínio do Reino que pertencia aos de seu puro sangue há incontáveis gerações.

Em seu leito de enfermo moribundo, o Rei conversava com sua filha, tentando convencê-la do dever irrecusável que ela teria que cumprir pelo bem de todos e felicidade geral do Reino. Enumerava todos os belos e guapos príncipes disponíveis nas redondezas, ressaltava as qualidades de cada um, mencionava o grau de nobre pureza real deste e daquel'outro, a bravura e a inteligência d'outros mais, a beleza e garbo daquele acolá, porém a princesa permanecia irredutível.

-- Não quero me casar, papai!
-- Mas por quê, filha minha?
-- Porque não quero e pronto!

O Rei, triste e macambúzio, afundou-se em suas nobres cobertas de seda. Com um tênue gesto cansado dispensou a filha e mandou chamar seu mais fiel conselheiro, o Duque de Fofockild, para juntos encontrarem uma solução adequada a tão delicado problema.

-- Fofockild, meu caro, minha linda filha recusa-se a se casar com qualquer dos nobres príncipes que escolhemos! Em verdade, recusa-se a se casar com quem quer que seja, pois diz que deseja ser celibatária, diz querer levar uma vida reclusa em orações, meditações e preces... Porém há que se continuar minha nobre, real e majestática linhagem, assim como há que permanecer esta no comando e domínio deste nobre, real e majestático Reino, que está com a família há incontáveis nobres, reais e majestáticos anos... Quê farei, oh, quê devo fazer?...

Fofockild, que há tempos andava cheio de vontade de contar ao Rei a nada nobre, nada real e nada majestática verdade sobre a princesinha, lambeu os beiços e abriu o bico:

-- M'lord, acontece que a princesinha tem preferências e hábitos não muito convencionais ou ortodoxos... posto que desde os treze anos de idade foge todas as noites para as tavernas da periferia, onde bebe canecas e mais canecas de garapa, toca num estranho alaúde músicas em ritmos e volume mais que plebeus, joga a queda-de-braço com os rudes camponeses que lá freqüentam e namora com as vulgares cortesãs que por ali pululam...

O Rei, ao ouvir tais relatos escandalosos, teve três achaques, cinco síncopes, oito apoplexias e morreu.

Fofockild, ciente de que perderia todas as mordomias caso o Reino ruísse, partiu então em busca de uma solução para o problema.
Procurou a princesa -- encontrou-a em seus aposentos particulares, jogando sinuca com o mais ralé dos cocheiros, em companhia das mais vulgares cortesãs -- e, sem demora, tratou de convencê-la da importância de satisfazerem a nobre, real e majestática vontade do falecido Rei, seu pai.

-- Vossa Sapateza Real, M'lady, compreenda que, assim que estejais destituída da nobreza, realeza e majestade de vossa linhagem, por força de sua descontinuidade, os que hoje dizem-se seus amigos, logo a abandonarão na rua da amargura e miséria e dor...
-- Ah, Fofockild, fufuck you!...
-- Escutai vosso mui fiel conselheiro, Vossa Sapateza Real, M'lady! Eu bem sei que não estais nem aí para estes nobres, reais e majestáticos assuntos, porém sei que gostais por demais de viver na balada, sem maiores preocupações que a escolha deste ou daquele folguedo para logo mais. Porém, para manter este padrão de vida, há que se pensar num modo de se manter o Reino sob vossa nobre, real e majestática linhagem...
-- Fofockild, cê tá surdo? Eu disse: fufuck you!
-- Ponderai junto a este mui humilde servo, Vossa Sapateza Real, M'lady! Pois que achei um modo de satisfazer a todos e ainda manter a integridade do Reino!

Neste momento, a princesa parou de jogar, dispensou o cocheiro e as cortesãs, acercou-se de Fofockild, aprumou-se com as mãos nos quadris e, olhando-o com enviesada desconfiança, perguntou-lhe:

-- E como seria isso?

* * *


Dez meses depois, o Reino estava salvo!
A princesa casou-se com o nobre, real e majestático Príncipe Boyolawsky III, assim unindo duas linhagens da mais nobre, real e majestática estirpe. Gerou um robusto, rosado e mimoso descendente -- evidente, porém secretamente, com o auxílio e ciência da bruxa-geneticista-mor, mui versada em inseminação artificial. Manteve o Reino em prosperidade e pujança sob os mui sábios conselhos do Duque de Fofockild. E descobriu que tinha muitas coisas em comum com seu nobre, real e majestático esposo, pois que ambos gostavam de virar as noites em tavernas, bebendo sucessivas e intermináveis canecas de garapa, tocando e cantando as selvagens músicas plebéias, além de demonstrarem uma grande inclinação a ficar com pessoas de seu mesmo sexo...

E assim todos viveram felizes para sempre...


* * *

Moral da história: mais vale um protocolo na mão do que dois reinos desmoronando...



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