sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sobre um rebento de surdos-mudos


Cena testemunhada da janela do apê da véia minha mãe:
Casal de surdos-mudos desce do carro. A moça carrega um bebê no colo. Tanto ela como o rapaz estão com cara de bravos. Assim que tranca o carro, ele começa a gesticular o que parece muito obviamente ser uma argumentação zangada. Ela olha com atenção e, ainda com a cara amarrada, passa o bebê pra ele e, por sua vez, gesticula uma contra-argumentação veemente. Ele, que olhava com igual atenção e com a cara não menos amarrada, passa de novo o bebê pra ela e passa a fazer a contra-contra-argumentação gesticulada.
E assim foi por um bom tempo -- vai bebê pra lá e gesticula bravo, vem bebê pra cá e gesticula zangada, vai e vem e tome gesticulação pê da vida (e eu sem entender chongas, a não ser que o negócio tava quente).

Fiquei ali fascinada, olhando, me sentindo uma cretina porque estava me divertindo com uma cena que, de outro modo, não seria nada divertida (eu, ser evoluído que sou - hum! - não costumo me divertir com a desgraça alheia e detesto discussões), mas foi inevitável achar graça no episódio, mesmo porque nunca tinha presenciado uma discussão entre surdos-mudos, muito menos quando eles carregam um bebê no colo e, por razões óbvias, posto que precisam de ambas as mãos para gesticular as palavras e expressões, tinham que passar o pimpolho de um colo pro outro sucessivamente.

E me pus no lugar da pessoinha -- imagina que tipo de impressão ficará no seu subconsciente quando, já mais crescidinha, lembrar das discussões travadas pelos seus pais: enquanto observa a gesticulação de um, está ali sentindo a respiração e a pulsação do "ouvinte" e depois vice-versa, sucessivamente. E concluí que das duas, uma: quando assistir a um destes recuerdos de ypacaraí no Fantástico, ou ela vai adorar, ou vai detestar a Carmen Miranda... E pula-pula, nem pensar!

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